24/08/2017

É PRECISO VOLTAR A ASSIS

E essa volta começa com a imprescindível canção de Geraldo Vandré, do tempo da outra ditadura. Vem, vamos embora que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora não espera acontecer”. Sim digo outra, a de 1964, porque hoje vivemos outra muito pior. A do estado de exceção, o retorno do fascismo e neonazismo. Uma contagiante Mística Francisclariana nos levou a entrar no processo com cheiro de Paz e Bem. Com grande participação, das Franciscanas e Franciscanos do Brasil esteve reunida em Aparecida/SP, de 03 a 06 de agosto, para fazer acontecer o chamado Capítulo Nacional da Esteiras 2017, promovido pela Conferência da Família Franciscana do Brasil, cujo tema foi:  “Levar ao Mundo a Misericórdia de Deus”, e o lema: “ É preciso voltar a Assis”. No ano em que celebramos 300 anos da Aparição da nossa Mãe Negra, nas águas do Rio paraíba, muito temos inda a aprender.
Com a graça de Deus, pudemos estar presentes, nós irmãs: Dorvalina, Romilde, Alzira e
Irdes. Foram dias de encontros e reencontros. De reaquecer os corações com a esperança, a fé, o amor e a misericórdia de Deus, que perpassou por cada participante.
Como levar ao mundo a Misericórdia de Deus, neste tempo em que vivemos num mundo sob medidas, onde o dinheiro é que governa? Como bem nos alerta o Papa Francisco. Temos neste tempo um novo bezerro de ouro: o Deus Mercado e suas
relações pautadas pelas medidas da razão científica e instrumental, que explora, oprime e mata. Porém, a experiência histórica do povo de Deus, nos ensina a redescobrir o Rosto Misericordioso de Deus. Este Deus que acreditamos é aquele que se aproxima, atende, escuta, protege, acompanha e caminha junto, porque somos seres de ralações Não é o Deus retribuição que cremos, este do mercado, mas o da Misericórdia. Mas o que é a Misericórdia Francisclariana? Esta traz em sua origem a sobriedade de Francisco. Ao se desencantar com a nobreza do seu tempo, deixou-se conduzir pelo silêncio, e foi então que o “próprio Senhor, o levou no meio os leprosos”. Vive grande conflitos com o pai, provoca uma ruptura radical, tira as vestes escravocantes, sofre dores de parto, mas segue, tendo Clara como conselheira, e esta o ajuda no processo de conversão: “ Parecia-me muito amargo, viver com os leprosos”. Mas o Senhor me levou no meio deles e eu fiz Misericórdia com eles”. No tempo em que viveu como os leprosos, faz o processo da conversão: “o que era amargo, se tornou doce como o mel”. Porque Misericórdia é modo de vida, é decisão. Não é sentimento


apenas. É afetividade que se deixa afetar.    Para Francisco o processo fundamental de iniciação para a mudança, para a conversão, se deu com uma experiência contrastante. Sair do mundo dos nobres e viver o mundo dos leprosos, os mais pobres e excluídos do seu tempo.
A pergunta que nos instiga: E hoje? Onde e como fazemos nossos processos de iniciação à Vida Religiosa Consagrada?
Viver a Misericórdia é ainda uma relação justa com todas as criaturas. Não fazemos votos de pobreza, mas de não apropriação. Por isso não pode haver hierarquias, porque o poder é circular, provisório. E no nível de iguais, precisamos confraternizar com todas as criaturas. Francisco não faz obras para os pobres. Viveu com e como eles. Hoje para quem vive a Mística e Espiritualidade Francisclariana, a realidade exige sair do mundo, isto é: sair do sistema capitalista/consumista. Construir alternativas. Num mundo onde 8% das pessoas possuem mais que metade dos bens da humanidade toda, aumentando assustadoramente a miséria no mundo, é urgente entender que pobreza é consequência, é que, portanto, só seremos fiéis se escutarmos o grito da Mãe terra e dos irmãos e irmãs empobrecidas. O CUIDADO é o novo paradigma.
Francisco foi o homem reconciliado do seu tempo, pois devota a mesma ternura e amor à natureza e as pessoas. Entende e nos ensina que tudo está interligado. Hoje é urgente compreendermos que não existe misericórdia, sem reconciliação com o planeta, nossa casa comum. O Papa Francisco em sua Encíclica Laudato Si, nos convida a superarmos o antropocentrismo. Nesta lógica só 20% das pessoas no mundo são as que destroem a natureza, porque fazem dela o seu quintal. Só a misericórdia pode nos reconciliar e transformar. Este processo de conversão se for verdadeiro, nos leva inevitavelmente a contemplar o mundo a partir de dentro, e aí iremos compreender e nos comprometer, tanto ontem como hoje: “não ter trabalho, salario, casa, terra, água, saúde, educação, enfim os direitos, é um atentado contra a dignidade das pessoas.
Fomos agraciadas também com uma brilhante e provocativa reflexão quanto aos 300 anos da aparição de Nossa Senhora Aparecida. Essa imagem negra encontrada no Rio Paraíba evoca o resgate dos direitos à vida, especialmente o da comida. Lembra a história que enquanto os pescadores jogavam a rede para que os peixes pescados fossem usados para preparar o banquete ao Conde de Assumar, este sujeito que fez uma extrema repressão aos quilombos da época, eles jogavam a rede e nenhum peixe subia. Mas, só quando as redes resgataram da límpida água a Mulher Negra, com a cabeça quebrada, é que a pesca veio farta. Peixes com fartura!  Agora sim, a Mãe ensina que sem escravidão há fartura de bens para o povo. E esta pesca foi partilhada para com quem dela tinham direito e necessidade, ou seja, os pescadores, seus familiares e amigos. Não, nada de peixes ao opressor Conde e seus protegidos. A Mulher Negra inverte a lógica da concentração, para a da partilha solidária. Viva a Mãe de Deus e nossa, que “despede os ricos de mão vazias e sacia os famintos de bens”.
Por isso, afirmamos no hoje da história, iluminadas/os, mais uma vez pela Encíclica do Papa Francisco, a Laudato Si, que nosso Claustro é o Mundo. Vivemos uma situação extremamente grave. O clima da Mãe Terra está sendo alterado rápida e profundamente. O modo de produção e consumo, está levando a ameaça toda a comunidade de vida. A crise é complexa e global. A nível internacional, acompanhamos a destruição das garantias democráticas. A nível de Brasil, sofremos dioturnamente ataques, com a destruição das políticas públicas, conquistadas ao longo de anos de organização e lutas. As chamadas commodities, (café, açucar, soja, trigo, ouro, petróleo e outros minérios, produzido para o comércio exterior) tomam de volta só para elas os bens que são direitos coletivos e patrimônio da humanidade. Ao povo miséria, fome, sede, doenças e morte prematura. Não dá para remediar, porque tudo está interligado, imbricado. Então, precisamos escolher um lado, pois Deus que é Deus também fez a escolha ao lado da vida que está ameaçada, violentada, destruída. Em meio a tantos ataques, sustentados também pelos interesses internacionais, para destruí as garantias democráticas, onde o que importa é a obsolescência programada, pois tudo é feito para logo estragar, jogar fora, e assim adquirir sempre o último lançamento, se faz urgente reconstruíramos um forte Movimento Social. Só uma forte e articulada reorganização popular, poderá mudar este rumo desastroso.
“Irmãs, irmãos: recomecemos porque até agora pouco ou nada fizemos”.
São Francisco de Assis.
Na ternura sororal, Ir. Irdes Lúcia Guadagnin









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