“Se muito vale o já feito, mais vale o que será” (M.
Nascimenrto)
1. Falou-se muito do goleiro Marcos que resolveu
aposentar-se, depois de muitos anos, no time do Palmeiras. Ele que resume, na
sua figura e postura, a mística do “Verdão”, não teve coragem de anunciar sua
saída porque a decisão, de ficar ou sair, lhe era igualmente dura. Para
permanecer teria que suportar as dores, contidas por medicamentos, e conviver
com a disputa desigual entre a vontade que comanda e o corpo que já não
obedece, na mesma presteza. Já, deixar de jogar, significa o início da
invisibilidade de quem sai do foco, o fim do prazer de jogar, o vazio da
convivência com os colegas, o carinho dos fás, o rebaixamento salarial e o
desafio de pensar no que fazer, a seguir.
2. Em todos os campos, é sempre difícil entender e
admitir a hora exata de sair. Não pode ser antes, para não parecer abandono,
arrefecimento da paixão...; não pode ser depois porque, então, sua contribuição
já seria dispensável, ou até um obstáculo. Os bons conselhos dizem que se deve
sair “em alta”, em momento produtivo. E que todo o segredo reside no equilíbrio
entre pressa e lentidão, percepções aparentemente contraditórias. Em toda
decisão tem algo como um “salto no escuro”. Fidelidade à causa e o senso de
responsabilidade podem ser a bússola para discernir, ou vislumbrar, a hora de
sair de cena e permitir que outros cresçam, no interesse da equipe, do grupo,
do povo.
3. No permanente jogo pela dignidade humana, a
militância não tem hora de “pendurar a chuteira”. Porque essa paixão é uma
entrega, até ao extremo, para a construção de uma nova ordem social. Se não se
pode mudar de luta, se pode e se deve, mudar de esquina, de ritmo. Quando uma
árvore cresce muito e se enraíza, ainda que não pretenda, impede que novas
floresçam, à sua volta. Além disso, o tempo traz a tentação da perpetuação das
formas de ver e de atuar, até como maneira de dissimular a insegurança, a caduquice
e a natural “fadiga de material”. Sem falar na fantasia, nadahumilde, das experiências absolutizadas ou das pessoas “insubstituíveis” que ao continuar, atrasam.
4. É verdade que sendo cada pessoa um ser único é, de certa forma, insubstituível. Outra pessoa igual a ela não existe, pois, ninguém substitui ninguém. A chegada do novo não é para substituir os precedentes da antiga ordem. O novo vem para dar continuidade a uma causa pertinente, em outro momento histórico. É preciso entender e admitir que, diante dos novos desafios, nem sempre a idade nos faz sábios. Os tempos mudam e os humanos mudam com eles. Assim, a velha guarda não pode agarrar-se a segurança do já feito, mas, racional e pedagogicamente, vencer a desconfiança na capacidade e criatividade da nova geração e apostar na eficácia das novas formas de encarar o presente.
5. A tarefa educativa exige encantamento, vigor renovado e respostas adequadas, a cada novo tempo. Por isso, uma saída responsável será um ato de reconhecimento de que “a fila anda” e a profissão de fé na nova geração que, a seu modo, terá capacidade, criatividade e dedicação para seguir na batalha pelo resgate da vida fraterna, sempre. Será, simultaneamente, um ato de coragem largar um reconhecimento construído, muitos afetos, a profissão, a sustentação.... Seria, talvez, a necessária atitude, humilde e pedagógica, de alguém que tendo colocado seu grão de areia, agora, sem espalhafato, cede lugar ao novo e vai recomeçar, em outro posto de luta.
“Saio, mas, não saio. Na vida, a gente tem que travar muitas brigas e se existe uma briga na vida que a gente tem de brigar é a briga pela dignidade coletiva; cada uma e cada um de nós briga esta briga numa esquina da vida. Você pode até mudar de esquina; o que você não pode é mudar de briga”. (Paulo Freire)
Ranulfo
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