03/09/2016

“O Tempo não pára”

Então, já é setembro, mês das flores, beleza esta, que aqui é tão rara, devido ao clima bastante seco nesta época.  Por enquanto, o que se vê é muita poeira e um céu um pouco acinzentado como se a qualquer momento o céu quisesse derramar algumas gotinhas de chuva para alegrar as poucas plantas que resistem. Quem   sempre dá o ar da graça é o irmão sol avermelhado, lindo como nunca vi em canto.
Escrevo novamente para vocês, já que completo dois meses   aqui na nossa Mamà Angola, neste 3 de setembro. Ás vezes, custo acreditar que estou vivendo nesta terra. Tem situações que vai do sonho ao pesadelo e vice versa. Por isso, me custa cair realmente a ficha.
Então, como vos escrevi naquela cartinha anterior, contei um pouco das minhas primeiras impressões, e as novidades só tem aumentado. Até dia 12 deste mês, ainda  estarei  na coordenação daquele Projeto de Alfabetização de Jovens e Adultos, depois, chegará  do Brasil, a irmã que é responsável e a partir daí, vou começar a procurar um outro serviço para me ocupar.  Se bem que trabalho é o que não falta por aqui, o que falta é estrutura para desenvolver as atividades. Por exemplo; como tem muita, muita criança começamos com uns jovens capoeiristas (até agora voluntários), a realizar aulas de capoeira no pátio da nossa casa, já que o espaço é bastante grande. E duas vezes por semana, às terças e quintas-feiras, das 14h às 15h30, reúnem-se as crianças para estes treinos. É lindo de ver! Elas num instante aprende os passos que o mestre ensina.

E aí, junto com as crianças que estão treinando vem também os irmãozinhos, irmãzinhas, amiguinhos. Sei que junta mais  80 crianças num piscar de olhos. A vontade que dá é de levar para casa todo mundo. Pois, essas crianças passam o dia todo praticamente sozinhas, porque suas mamás e papás saem cedo para trabalhar e só retornam no fim da tarde. É assim todos os dias, todos os dias, até aos domingos.
Quantos aos jovens capoeiristas, até agora eles têm vindo voluntariamente, mais é uma necessidade para eles receberem também algum valor, pois, o trabalho remunerado é algo muito difícil nesta terra. Nós, estamos tentando ver se conseguimos alguma ajuda por meio de projeto para poder colaborar um pouco com estes jovens e crianças. Precisamos aprender a sobreviver com este tipo de ajuda, porque com recurso das próprias famílias e crianças, neste momento é quase impossível. A crise aqui também, está muito séria.
Outra novidade é que no mês passado precisei ir me apresentar ao Bispo da Diocese da qual estamos a fazer parte. Aqui é assim, as “madres”, padres  que chegam precisam praticamente cumprir este ritual de apresentação às autoridades, bispo, pároco, administrador municipal (prefeito), organismo missionário, enfim. Faz parte dos costumes. Num primeiro momento, causa-nos estranheza, porém, aos poucos vamos nos adaptando. E em todos, os lugares em que fomos nos apresentar, fomos muito bem acolhidas, graças a Deus.
Também, tivemos uma primeira reunião com o pároco da paróquia que pertencemos. Nós irmãs e ele nos reunimos para planejarmos um pouco nossa caminhada. E ele pediu para que eu acompanhe os grupos de jovens, e a pastoral vocacional da paróquia. Aceitei este desafio, mas até agora não tive oportunidade de ir em nenhuma reunião deles. Mas, sei que são grupos muito bons, tem bastante participação. Os e as jovens daqui, ainda mantém os costumes da religião bem presentes, assumem com muito afinco suas atividades. Peço desde já, as preces e sintonia de cada um e cada uma de vocês neste serviço. Pois, preciso aprender muito.
Uma outra situação que vivenciei aqui neste mês e que me marcou foi a morte de uma criança de cinco aninhos. Ele tinha falciforme, e já estava bastante doentinho. Conto-vos um pouquinho de como é  o ritual do velório, que aqui chamam de (óbito). Então, quando a pessoa falece, eles dizem que ( a pessoa desapareceu fisicamente). E o corpo da pessoa fica numa morga ( espécie de lugar resfriado) para manter o corpo por mais dias sem ser enterrado. Por exemplo; aqui a família, por lei do governo, pode deixar o corpo da pessoa falecida até três dias na morga, a partir do terceiro dia começa a cobrar um valor X, que eu não sei quanto é.
O interessante é que enquanto, o corpo está lá na morga, os familiares, vizinhos, amigos, amigas, ficam na casa da família enlutada, ouvindo músicas com ritmos fúnebres e conversando. Colocam na frente da casa, uma foto da pessoa ( falecida), e ali fazem o velório, ( óbito) sem a presença do corpo. Só depois do terceiro dia, daí trazem o corpo para casa, e ali ocorre o velório como nós conhecemos. Quando é hora do funeral,  vai a família e algumas pessoas que queiram ir até o cemitério. Enquanto as outras ficam ali em volta da casa, esperando os demais chegarem. Quando chegam, as mamás dançam em volta de uma mesa, cantam hinos na língua própria. Depois lavam as mãos e comem o que tiver. Em geral é feito almoço com funge ( tipo de polenta de milho, ou de farinha de mandioca), molhos de peixe, tem bebidas e tudo. 
Dizem que  se não comer do que tem, é quase uma ofensa para a família enlutada. E assim passam-se até uma semana, neste clima, agora de festa mesmo.  Antes de sair da casa, faz-se uma fila (bicha é o nome que usam aqui), todas as pessoas cumprimentam a mãe, o pai, as avós da criança e quem quiser já pode ir embora.  É algo impressionante como eles vivenciam a morte.
 A maneira como celebram tem um mistério que não sei de onde vem. Amigas, amigos, este óbito, foi muito triste, muito mesmo. A mamá desta criança, está grávida. Ela e as outras mamás, ficaram num desespero, ouvia-se de longe os gritos  de dor de choro delas,  pela perca daquela criança de 5 aninhos. Eu voltei pra casa arrasada. É difícil compreender essas situações. Só Deus mesmo!
Resumindo, as outras muitas coisas que estou vivenciando aqui, nem carecem ser escritas. Porque as palavras são poucas para descreve-las.  Mais, já estou bem acostumada. Embora que algumas crianças confundem minha nacionalidade e me chamam, “olha a madre chinesa”. Inclusive alguns saúdam na língua deles (Chinês) acho que nem elas mesmas (as crianças) sabem o que estão a dizer. Mas, repetem o que veem os adultos falarem.  Eu quase morro de rir. Chamam-me de chinesa, porque a tempos atrás, era comum ver chineses por aqui.  Ah! Também já estou dirigindo o carro que as irmãs tem aqui, mais ainda não tenho o visto e muito menos carteira de motorista daqui.
Ainda bem, que nenhuma fiscalização nos parou até agora. Aqui, os carros da igreja tem placa verde, então, dificilmente eles param. Mais, não posso abusar. Se me pararem, tô perdida! E outra loucura é o trânsito. Cada qual faz sua lei. Não tem sinalização, na cidade tem um pista que vai e outra que vem. Mais cada ser vai por onde encontrar espaço. É uma maravilha! Só imaginem! É uma bagunça organizada. E todo mundo consegue se entender. É até divertido.
Gente linda, por hora é isso. Eu estou bem, graças a Deus, Fonte de toda Vida! Sou muito grata a cada uma e cada um pela presença, pensamento e orações que tem nos fortalecido muito. Vocês não fazem ideia, do quanto é bom receber um “oi, como esta”.  Cada palavra boa que chega, as letras dançam dentro da alma e alegra ainda mais o meu viver.  Espero que continuemos com esta mesma sintonia. Rezo todos os dias, por você que faz parte da minha vida e comigo caminha neste imenso mundo, da qual eu “me sinto tão pequena para compreender tanto”.

Um beijo com ternura, Ir. Silvia

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