05/08/2016

Experiência vivenciada!

  Bom, agora com um mês aqui no Cazenga, Luanda-Angola já posso descrever um pouquinho do que meus olhos veem, meus ouvidos ouvem, e meu coração sente neste tempo.  
Desde que sai de Lages,  naquele dia 30 de junho, com a presença das irmãs Franciscanas do Apostolado Paroquial, que carinhosamente me acompanharam até a Casa das Irmãs Catequistas Franciscanas, em Joinville, nada era mais intenso em mim do que a ansiedade e mais uma mistura de outros milhões de sentimentos, enfim.  Acredito que tudo isso  fazia  parte do kit de  mudanças. E que bom termos oportunidades de mudar.  
Sou muito, muito grata por todos os gestos de cuidado e amor que recebi e recebo de cada uma e cada um de vocês que fazem parte da minha vida e estão comigo aqui nesta missão.  
 ... Voltando  falar da viagem.  De  Joinville, saímos eu e irmã Terezinha Rinaldi ( que já mora em Cabinda-Angola a mais de 15  anos), ela foi minha guia nesta viagem. Graças a Deus! Era 23h do dia 1º de julho (coincidentemente dia do meu aniver), quando saímos de Joinville e fomos para Guarulhos-SP. Chegamos em São Paulo, era por volta das 8h15 da manhã, e logo em seguida fomos para o aeroporto, afinal, nosso voo estava marcado só  para as 18h05. Passamos o dia todo por ali, eu lendo coisas no face e no whats, enquanto irmã Terezinha fazia crochê . Era 15h30, quando abriu o chequim. Logo, entramos na fila para conferir nossas passagens. Graças a Deus, tudo certo. Só alguns imprevistos com as malas da mana Tere que tinha peso em excesso, mas logo resolvemos e seguimos para a sala de espera.  
Assim que chegamos à sala, já dava para avistar o boing 777 da TAAG Angola Airlines.  Foi o tempo de conversar mais um pouquinho no whats, com algumas pessoas, fiz uma última ligação pra mãe para pedir sua benção,  e logo chegou o grande momento. O embarque. Confesso que quando avistei o avião mais de perto, eu estremeci. Pensei: “Meu Deus, como uma coisa tão grande assim, vai parar lá em cima. É impossível”!  

 Ao entrar no avião pensei positivo, pedi a Deus que nos abençoasse e segui até a poltrona 21E. Ficamos bem no corredor na segunda classe. Era 18h05 em ponto quando o comandante avisou. “Senhores passageiros, estamos prontos para decolagem”. No meu coração lembrei da minha família, de cada uma das irmãs e de cada amiga e amiga, gente que tanto amo.  disse para mim mesma: “ Se Deus nos  quer lá,  nos guie, cuide-nos. Estamos  em Teu colo, conduze-nos”. E foi com essa sensação que passei toda viagem. Foi uma experiência incrível! O avião parecia estar no chão. Sobrevoou calmamente. Por tudo isso, sou muito grata as irmãs e todas as pessoas pelas incansáveis orações. Deus seja louvado por nos conduzir em seus braços. 
(Durante a viagem assisti um filminho de comédia, ‘Marley e eu’. Acreditem, cheguei a cochilar. Coisa que para mim era impossível pensar, noutro momento. E era pontualmente 5h30, do dia 3 de julho, manhã de domingo, quando os pilotos avisaram que estávamos prontos para o pouso no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro, em Luanda- Angola.  
Quando pisamos no solo, o sol da mamá África despertava junto conosco e em meio a um suave vento que passava a refrescar o corpo e nos saudar, parecia que nos desejava boas vindas. Entramos no aeroporto, e em seguida fomos fazer todos os procedimentos de chegada no posto da imigração. Tudo ocorreu bem.  
Lá fora, nos esperava a irmã Solange (Catequista Franciscana), e o Manoel ( motorista). Que prontamente pegaram nossas malas e nos ajudaram a carregar até o carro. O caminho para chegarmos até a casa as irmãs, no município do Cazenga foi uma verdadeira surpresa. O olhar não conseguia parar de perceber a realidade bem diferente daquelas que estava acostumada a ver. Nos arredores da cidade de Luanda, as casas ou casebres são cobertas com telha parecida com zinco, e como não são parafusadas ou pregadas, os moradores colocam pedaços de tijolos, madeira e tudo o que for pesado, para quando vier os temporais o telhado não ir embora. Sabedorias e modos de sobrevivência é o que mais me encanta no povo Angolano. 
Chegamos à casa das irmãs por volta das 8h. Elas nos receberam com muita  alegria.  Na porta tinha uma frase de acolhida que dizia: “A chegada é vossa, a alegria é nossa. Seja bem vinda”!.  Lindas as manas, Carmelita Zanella, Maria de Jesus Moraes e as jovens postulantes Francisca, Mariane e Delma 
Aqui, já começamos a nos ambientar com um delicioso café preparado por elas. Logo, fomos nos acomodando porque a viagem por mais boa que tenha sido, foi também cansativa. 
Eu nem consegui esperar o almoço. Tomei um banho e deitei, dormi acordei já era quase 15h. Almocei e fiquei por aqui, comecei a arrumar as coisas, tirar a mudança das malas. Acabei me cansando e saí no quintal (enorme) para dar uma volta. Não demorou muito, só ouvia gritos das crianças que vieram na beira do muro, dizer oiEu disse: Boa tarde! E elas responderam como se fosse um coral, “Obrigada! (Aqui é assim, você cumprimenta, Bom dia,  boa tarde, ou boa noite! E as pessoas respondem: Obrigada, sim! É a interpretação de que Sim, o dia, a tarde ou a noite, está tudo bem).  
Chamavam o tempo todo: “ Oi irmã, oi madre”! Como você se chama! Disse meu nome: Sílvia Cristina, e elas começaram a me chamar de Cristina, irmã Cristina.  Ah! O sotaque desses miúdos foi a mais encantadora recepção que tive. Os olhos brilhantes fixos, como se quisessem roubar minha alma, ali na encosta daquele grande muro.  
O sol estava quase a se pôr, quando a irmã Terezinha, me convidou para dar uma volta no bairro. Fomos caminhando pelas ruas, e logo se ouvia saudação de todos os lados, “ oi madre, oi irmã”. É assim, que eles e elas costumam chamar as irmãs que aqui moram. Cada passo que dava, meu ser ia se inteirando mais com o ambiente. Passamos perto do hospital do bairro, que no Brasil, a estrutura corresponde a um posto de saúde. Em todos os sentidos nota-se uma grande falta de estrutura dos governos municipal, estadual, enfim.  
Ao povo cabe descobrir os meios de sobreviver como pode. Voltamos para casa já era quase noite. Este foi o primeiro dia, aqui nesta amada terra. Já estou a me sentir em casa. A paisagem, em quase tudo, me fez lembrar das cidadelas de Rondônia, no início da década de 80, quando tudo era muito precário como a realidade daqui.  
Como o fuso horário, é diferente, aqui são quatro horas a mais que no Brasil. Meu corpo demorou uns dias para  se habituar. Mais aos poucos fomos entrando no ritmo. 
 Na segunda-feira, quatro de julho, bem cedo eu e irmã Carmelita fomos ao Centro da cidade para encaminhar meu visto de permanência temporária.  Irmã Carmelita está aqui a quase  25 anos, e atualmente ela tem um problema com a visão, quase não enxerga). Admiro-a e sou infinitamente grata pela graça de conviver com essa mulher, forte, corajosa, destemida. Para ir ao Centro da cidade, foi cômico, porque eu era sua guia, sem saber onde estava a pisar, sem nada conhecer. Ainda no caminho ela me disse: “Eu sou sua boca, e você será os meus olhos, hoje”. , é uma expressão que se usa, como se fosse, ‘Sim ou Tá certo!) 
E assim fomos, embarcamos no que aqui eles chamam de táxi, (aí chamamos de vã). Fomos até um pedaço do caminho, e tomamos outro automóvel com o nome de Combatentes, ( também é um tipo de vã). Logo, chegamos a um dos nossos destinos, que é o CEAST,( onde se encaminha os documentos para as missionárias e missionários). Ali, a moça  Joaquina,  que nos atendeu, nos disse: “ Terão que pagar 7 mil kwanzas (que até agora não sei qual é o valor na moeda Real), a mais porque as folhas não foram autenticadas no Consulado da Angola, no Brasil. Ah! Meu Deus, ali começamos a nos preocupar, pensa que se não der certo, eu teria que voltar só porque não foram autenticadas as tais folhas.  
Mas aí, a Joaquina nos tranquilizou dizendo que um moço vai fazer os procedimentos e encaminhar. Graças a Deus! Porém, realmente é como dizem, alegria de pobre dura pouco mesmo. Mal sabia eu, que não poderia ter ido de bermuda, eu tinha que ter ido de saia ou ter um  pano ( capulana- uma espécie de tecido inteiro que as mulheres usam como se fosse uma saia), pois, precisamos da assinatura do bispo da Diocese de onde vou permanecer, e uma “ madre” ir visitar o bispo sem os trajes de roupa adequado, é quase um escândalo. Ficamos apreensivas com mais esta situação. Mas, irmã Carmelita disse: ‘Quer saber, vamos assim mesmo, se ele falar qualquer coisa, nós damos um jeito’.  Então, irmã Carmelita ligou para o Manoel, o motorista e ele foi nos buscar para levar-nos até a cúria diocesana. Chegamos lá,para nossa surpresa, veio uma senhora nos atender e disse: “ Madres, o bispo está reunido com os padres, e este tipo de atendimento ele só faz a partir das terças-feiras. De modo que vocês terão que voltar amanhã. Pois, eu não posso interromper a reunião deles”. Pensamos, que tínhamos perdido nossa viagem. Mas, a Providência Divina cuida de tudo mesmo. Pois, enquanto estávamos ali conversando com a senhora, desceu um padre e ele veio nos cumprimentar   e logo irmã Carmelita falou com ele sobre o que queríamos, e esse abençoado pegou nossa folha e levou para o tal bispo assinar, nem precisamos nos encontrar com ele. Graças a Deus, nos salvamos dessa! E em poucos minutos, o padre Hilário nos trouxe a folha, assinada e carimbada. E claro, cobrou-nos 2 mil kwamzas por esta feita. Mas, ainda bem que deu tudo certo. Voltamos e entregamos o bendito papel no Ceast, daqui pra frente é só esperar a confirmação da permanência aqui. 
Bem, este é um pequeno relato só para vocês terem noção mais ou menos de onde estou pisando. O bairro onde  moramos é bastante carente, tem muitas, muitas crianças. A maioria nem vão à escola, porque aqui quase não tem escolas públicas, os pais ou responsáveis tem que pagar  uma certa quantia por mês para os filhos, filhas estudarem. (Aqui este tipo de pagamento, se usa o termo -propina).  
E como a situação é bastante precária, a família tem que priorizar as necessidades. Bem sabemos que a educação, saúde e etc; são direitos sociais, mais não é em todo canto do mundo que isso funciona na prática, neh! 
As mamás (mães), saem bem cedo para vender todo tipo de produtos nas feiras (que aqui chamam de praças), ou então, vendem na rua mesmo, em frente as casas. Elas ajeitam tudo dentro de uma bacia, colocam na cabeça com uma maestria sem igual, e caminham distâncias longas para vender o quanto   podem  para comprar o alimento e coisas necessárias para casa. Já, os papás ( pai),  esposos, alguns tem serviços públicos, outros trabalham por dia.  
Aqui na casa onde moramos, estamos em sete pessoas, quatro irmãs e três jovens postulantes. No quintal da nossa casa funciona 6 grupos de alfabetização de jovens e adultos. Todas as manhãs, de segunda á sexta-feira, a partir das 6h da manhã, as mamás e jovens chegam para estudar, ficam até as 8h30. Depois, dali mesmo elas já saem com seus produtos para vender. É admirável o esforço que elas fazem para aprender a ler e escrever. A tarde, são mais os jovens que vem estudar. Eles começam as 16h e ficam até as 18h. Todos e todas  valorizam muito o aprendizado. Esse Projeto de Alfabetização é coordenado pelas Irmãs Catequistas Franciscanas, que dentro de uma metodologia de educação popular tentam fazer com que a partir da realidades das pessoas, elas aprendam a ler e escrever a sua própria história. É um serviço maravilhoso, o que elas (irmãs) realizam aqui. E então, neste mês de agosto, a irmã Maria de Jesus, que coordena as atividades, está no Brasil e só retornará em setembro, e neste tempo que ela está fora, eu estou responsável para articular esse serviço.  
Com as estudantes, professoras, professores e irmãs vamos nos ajudando e fazendo as coisas acontecerem. Logo, mais iniciaremos atividades alternativas com oficinas de desenho, pintura, capoeira e talvez costura para as pessoas que tem vontade de aprender. E são muitas pessoas que querem, tem sede de saber algo.  
Outro encanto são as comunidades, confesso para vocês que nunca tinha visto um povo com fé tão fervorosa. As celebrações costumam durar de duas a três horas, parece uma festa, cantam muito, batem palmas todas no mesmo ritmo. É lindo demais de se ver, sentir e vivenciar!  
No mais, eu ainda estou descobrindo, conhecendo. Tudo aqui é um mistério que envolve. E como sabemos mistérios não se revelam. Jamais conseguirei traduzir em palavras o que é viver aqui. Só mesmo, fazendo a experiência! Já vi, ouvi, senti coisas que fazem muito bem, muito bem mesmo para a alma. Mas também, já vi, ouvi, senti a dor, a tristeza da  inutilidade diante do sofrimento de realidades que nos questionam muito.  
Vocês que me conhecem, imaginem o quanto tudo isso tem mexido comigo. Mas, Deus se faz caminho e presença de muitas formas e nos ajuda a ir superando um dia de cada vez.  
Ah! Eu ainda não estou trabalhando em nenhum lugar oficialmente). Primeiro, acredito que preciso conhecer onde meus pés estão pisando, para depois ir encontrando os serviços que forem possíveis realizar. Como diz o poeta.  Não tenhamos pressa, mas também não percamos tempo”. Tenho tentado viver  isso 
Amadas e amados! Desde já muito obrigada, por todo bem que vocês são na minha vida! Obrigada, pela sintonia nas preces. Daqui, envio o meu, o nosso abraço com carinho, ternura, paz e bem! 
Essas poucas palavras foram inspirações de hoje, dia em que completo um mês que estou aqui convivendo com esse povo, que tem a teimosa mania de viver no limite do que chamamos impossível.  
Ir. Silvia Cristina 

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